Dúvida

O que é dúvida? Quais são os tipos de dúvida? Como ter convicção sem ser fanático? De que maneira exercitar o pensamento, a fim de deixá-lo livre e responsável?

Publicado em 11 de Janeiro de 2019 ‐ 7 min de leitura

Apesar da ambiguidade conceitual, pode-se dizer que a dúvida é um estado de incerteza em que consiste na suspensão do julgamento, dada a ausência de razões para a afirmação ou negação.

Considerações iniciais

No pensamento antigo, confiava-se mais nas evidências imediatas oferecidas pelos sentidos e pela razão. A crítica inexistia. Os primeiros filósofos apregoavam a admiração e o espanto pela harmonia do cosmos.

Em se tratando do Velho Testamento, logo no começo, a Bíblia cita o pecado original, uma espécie de desconfiança do ser humano em relação a Deus. Adão e Eva tratam Deus como seu rival. Por isso, a tentação, a desobediência.

No Novo Testamento, há também muitas dúvidas dos apóstolos em relação a Jesus. No início, a dúvida era positiva, pois assim se expressavam em relação a Jesus: “Que homem é este que opera tantos milagres?” Depois, principalmente na Paixão de Cristo, duvidam de seus ensinamentos. Pedro o nega por três vezes.

A dúvida moderna tem muito a ver com as lucubrações de Descartes.

Nietzsche havia proclamado a morte de Deus. Hoje, temos uma infinidade de deuses competindo pela atenção e lealdade das pessoas. O iluminismo advogava a vitória da razão e, com isso, o declínio da religião. Não foi o que ocorreu. Além de não haver o declínio, corremos o risco do fanatismo religioso, principalmente com a ascendência do islamismo.

Sobre a dúvida

Alguns Tipos de Dúvida

  • Dúvida científica: é atitude do cientista que apresenta suas hipóteses à prova submetendo-as ao controle experimental.

  • Dúvida cética: pretende-se definitiva e radical e conclui a impossibilidade de se alcançar a menor verdade.

  • Loucura da dúvida: patológica, de natureza obsessiva, manifesta-se por um sentimento penoso de incerteza com relação aos fatos da vida cotidiana e por fim pela incapacidade de se tomar uma decisão.

  • Dúvida metódica ou hiperbólica: devido a Descartes, procedimento que consiste em duvidar de tudo o que se admitiu anteriormente com o intuito de estabelecer a verdade em bases inabaláveis graças ao critério da evidência.

Mais tipos de dúvida

  • Dúvida teórica: indecisão diante dos acontecimentos ou diante da verdade especulativa.
  • Dúvida existencial: é a impossibilidade de nos ligarmos com confiança a uma pessoa.

A dúvida é negativa quando deixa a alma insegura e angustiosa. É positiva, quando representa o ponto de partida para as descobertas cientificas e filosóficas.

Dúvida teórica versus dúvida existencial

Diante de uma verdade especulativa, a dúvida se torna teórica. Diante da impossibilidade de nos ligarmos a alguém confiantemente, a dúvida se torna existencial. A dúvida teórica impede a certeza; a duvida existencial, a fé.

Filósofos da era moderna, relativismo e fundamentalismo

Filósofos da era moderna

  • Descartes (1596-1650) inaugurou a filosofia moderna. A partir daí, a dúvida tornou-se o norte da ciência e da filosofia.
  • Marx (1818–1883) colocou em dúvida as ideologias existentes e propôs a luta de classes.
  • Nietzsche (1844-1900) suspeitava das “verdades morais”: por detrás delas havia o medo da vida, a inveja pelos poderosos.
  • Freud (1856-1939) analisa a dúvida através dos processos libidinosos do subconsciente: nossas ações refletem um disfarce dos recalques ali armazenados.

Relativismo

A relativização é o processo no qual o status absoluto de alguma coisa é enfraquecido ou, em caso extremo, destruído.

O maior problema do relativismo é sua falsa epistemologia. Dito de forma simples, todas as versões do relativismo expressam as dificuldades da busca da verdade. Existem fatos neste mundo e, ao buscar determinar os fatos, a objetividade é possível.

Todas as formas de relativismo contradizem a experiência da vida comum, fundamentada no bom-senso.

O relativismo, com sua moralidade individual, e não coletiva, é um convite ao niilismo.

Fundamentalismo

O fundamentalismo é uma tentativa de recuperar o não questionamento.

O requisito mais básico: não deve haver uma comunicação significativa com outsiders.

O segundo requisito: não deve haver dúvida.

Os fundamentalistas enfatizam a “conversão” (não importa se essa conversão for súbita ou gradual, voluntária ou coagida).

O relativista adota a dinâmica relativizante da modernidade; o fundamentalista a rejeita.

Se o perigo imposto pelo relativismo a uma sociedade estável for o excesso de dúvida, o perigo do fundamentalismo é uma insuficiência de dúvida.

O meio, a fé e o Espiritismo

O meio dificulta a fé religiosa

O pragmatismo da vida moderna, a luta pela sobrevivência e o anelo de posse afastam o ser humano da vivência plena do Evangelho de Jesus. Há, também, a influência dos maus exemplos dos cristãos mais velhos.

A fé espírita

Lembremo-nos de que a fé cristã sempre foi uma luta contra a dúvida que nasce do coração. É por esta razão que Allan Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, insiste para que todo o cristão faça uso da fé raciocinada, que é a única que pode encarar a razão, face a face, em todas as épocas da humanidade.

A construção doutrinária do Espiritismo

Allan Kardec, através do método teórico-experimental, deu ênfase à dúvida como atitude de trabalho para a codificação do Espiritismo. Ele dizia que era preferível rejeitar nove verdades a aceitar uma única como erro.

Observe a sua postura diante das manifestações das mesas girantes: “Só acreditarei quando o vir e quando me provarem que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir e que possa tornar-se sonâmbula. Até lá, permita que eu não veja no caso mais do que um conto da carochinha.”

Conclusão

Saibamos usar a dúvida com moderação. Há situações em que a fé deve sobrepujar as incertezas do cotidiano. Numa dificuldade aparente, pensemos em Deus primeiro.

Bibliografia consultada

  • BERGER, Peter e ZIJDERVELD, Anton. Em Favor da Dúvida: Como Ter Convicções sem se Tornar um Fanático. Tradução de Cristina Yamagami. Rio de Janeiro: Elsevier,
  • DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.
  • IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo: Paulinas, 1983.

Fonte

CEIsmael | Dúvida Autor: Sérgio Biagi Gregório São Paulo, janeiro de 2016.

Perguntas Relacionadas

O que é a dúvida?

É um estado de ânimo que caracteriza a indecisão, a indeterminação, a incerteza entre duas ou mais responsabilidades.

Qual a dificuldade em conceituar a dúvida?

Esta palavra remete-nos a uma série de étimos, os quais podem significar: duplo, ambíguo, descrença, desconfiança, hesitação etc. Incluamos, também, o aspecto problemático, enigmático e misterioso da dúvida.

Qual a distinção entre a dúvida teórica e a duvida existencial?

Diante de uma verdade especulativa, a dúvida se torna teórica. Diante da impossibilidade de nos ligarmos a alguém confiantemente, a dúvida se torna existencial. A dúvida teórica impede a certeza; a duvida existencial, a fé.

De que maneira a dúvida pode se apresentar?

Podemos vê-la sob o aspecto positivo ou negativo. É negativa quando deixa a alma insegura e angustiosa. No sentido positivo, é o ponto de partida para as descobertas cientificas e filosóficas.

Como se especulava sobre a dúvida no pensamento antigo?

No pensamento antigo, confiava-se mais nas evidências imediatas oferecidas pelos sentidos e pela razão. Os primeiros filósofos apregoavam a admiração e o espanto pela harmonia do cosmos.

Há exemplos de dúvida no Velho Testamento?

Logo no começo, a Bíblia cita o pecado original, uma espécie de desconfiança do ser humano em relação a Deus. Adão e Eva tratam Deus como seu rival. Por isso, a tentação, a desobediência.

Os apóstolos duvidaram de Jesus?

No início, a dúvida era positiva, pois assim se expressavam em relação a Jesus: “Que homem é este que opera tantos milagres?” Depois, principalmente na Paixão de Cristo, duvidam de seus ensinamentos. Pedro o nega por três vezes.

Desde quando a dúvida é o norte da ciência e da filosofia?

Desde de Descartes (1596-1650), quando inaugurou a filosofia moderna: colocava entre parênteses todo o seu saber até encontrar bases sólidas sobre as quais assentá-lo.

Como a dúvida é posta por Marx, Nietzsche e Freud?

Marx (1818–1883) colocou em dúvida as ideologias existentes e propôs a luta de classes.

Nietzsche (1844-1900) suspeitava das “verdades morais”: por detrás delas havia o medo da vida, a inveja pelos poderosos.

Freud (1856-1939) analisa a dúvida através dos processos libidinosos do subconsciente: nossas ações refletem um disfarce dos recalques ali armazenados.

Presentemente, o meio dificulta a fé religiosa?

Sim. O pragmatismo da vida moderna, a luta pela sobrevivência e anelo de posse afastam o ser humano da vivência plena do Evangelho de Jesus. Há, também, a influência dos maus exemplos dos cristãos mais velhos.

Para reflexão: Como a incerteza religiosa coexiste com a certeza moral?

Fonte

Aprofundamento Doutrinário
Autor: Sérgio Biagi Gregório

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